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Home Línguas Caderno de língua portuguesa Antíteses e paradoxos (pagina in italiano)
Por Alcides Silva

 

Antíteses e paradoxos

Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som

 

Por certo, o leitor já ouviu "Certas Coisas", música de Lulu Santos e Nelson Motta, cantada por Milton Nascimento. Relembremos:

Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim, dia e noite, não e sim.
Cada voz que canta o amor
Não diz tudo que quer dizer
Tudo que cala fala mais
Alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão
Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz.
Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som.
Tem certas coisas que eu não sei dizer.

Essa canção foi concebida como um jogo de luzes e sombras, "dia e noite, não e sim", num encadeamento de sucessivas oposições. A isso se dá o nome de antítese, uma figura de pensamento que ocorre quando a uma idéia é oposta outra de sentido contrário. É uma enantiose, uma contradição: "Buscas a vida; eu a morte" - Casa de ferreiro, espeto de pau

Em "Jaqueline", poema de "Estrela da Manhã", Manoel Bandeira condensou uma aparente falta de nexo:

Jaqueline morreu menina.
Jaqueline morta era mais bonita do que os anjos
Os anjos!... Bem sei que não os há em parte alguma.
Há é mulheres extraordinariamente belas que morrem ainda meninas.

Mulheres ... ainda meninas. Conceitualmente, o termo 'mulheres' [o ser humano do gênero feminino que atingiu a idade adulta] contrasta com a palavra 'meninas' [criança do sexo feminino]. São formulações aparentemente inconciliáveis. A isso se dá o nome de paradoxo, que também é uma figura de pensamento: numa mesma unidade da frase são empregadas palavras cujos
conceitos se opõem, ao menos na aparência. É um oximoro, figura que consiste em reunir palavras contrárias:

Era o porvir - em frente do passado,
A liberdade - em frente à escravidão" (Castro Alves).

Na antítese a contradição está nas idéias (Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe); no paradoxo, nas palavras ("O amor... É um contentamento descontente." - Camões). Em medicina legal, o feto viável expulso morto do útero materno é um natimorto. Em lingüística, o termo natimorto é um paradoxo.

Explica Rocha Lima que "todo paradoxo encerra, em última análise, uma antítese, porém uma antítese especial, que em vez de se opor, enlaça idéias contrastantes". E cita, como exemplo, versos de Hermens Fontes:

Este Amor, que, afinal, é a minha vida
e que será, talvez, a minha morte,
amor que me acalora e me intimida,
que me põe fraco quanto me põe forte;
este Amor, que é um broquel e é uma ferida,
vai decidir, por fim, a minha morte.

Figuras de pensamento, formas de expressão que fogem às normas gramaticais, são recursos estilísticos da língua e de retórica praticamente inesgotáveis. Concedem ao pensamento mais energia, mais beleza ou realce. O título desta coluna, extraído de um verso de Olavo Bilac, é uma antítese, talvez um paradoxo: "inculta e bela":

Última flor do Lácio, inculta e bela
És a um tempo esplendor e sepultura.

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