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Por Joana Lopes Acuio

Jogadores e Poetas

samba batucadaOs encontros em rodas de samba e batucada incitam desafios poéticos e musicais que foram tematizados por diversos sambistas e tornaram-se mote privilegiado nos registros desde o início da reprodução fonográfica nas décadas de 1920, de Donga a Noel, Wilson Batista e Geraldo Pereira aos partideiros contemporâneos. O relevo dado a este tipo de organização no fazer do sambista parece significar a artesania e destreza do saber expressar e realizar materialmente, isto é, sem a separação entre forma e conteúdo, significado e significante, sujeito e objeto, em que as dimensões comunicantes de imagens e sons, estão corporificadas e presentificadas na linguagem.

A gravação trouxe o artifício da reprodução de ações sonoras, auditivas e sensitivas que relaciona temporalidades desviadas e rearticuladas. O ato da gravação se encerra no instante em que se produz e por outro lado, inaugura a audição separada do corpo emissor, a ação individualizada do ouvinte que se relaciona com aquilo que é sentido e imaginado de um presente perdido, confundido em outro presente. Mas não podemos perder de vista que o arsenal fonográfico não elimina os encontros em rodas de samba, e outras tantas expressões, que se permeiam em novas configurações. Os modos de viver, de sentir e agir são perpassados por formas espaciais, temporais e relacionais diversas, reinventando-se e resistindo em incessantes transformações.

A roda de samba, fluxo de encontro, embate, movimento, dispersão, marca o impulso relacional variável, em que o próprio trânsito das relações a delineiam. Os componentes não possuem posições hierárquicas preestabelecidas; as posições de enfoque são acionadas pela exposição e os efeitos comunicativos que produzem, quer dizer, pelo vigor entre expressão e impressão sensorial dos participantes, confundidos no vai-e-vem dos gestos, emissão de sons e audição. As posições são permeáveis, cambiáveis. As brincadeiras de roda infantis propõem relações semelhantes; uns cantam, outros se escondem, procuram, estão no centro, no entorno, etc... o gosto está na troca de papéis e o imprevisto de cada gesto.

A roda introduz o desafio, o duelo, as disputas dos músicos/poetas, os conflitos sociais destes sujeitos e suas práticas, as transgressões frente às formas normatizadas de organização urbana... Mas em que consiste o jogo, o desafio? A definição de regras ou condições iniciais são interpeladas a cada lance por reinvenções de possibilidades numa esfera por vezes aparentemente demarcada, mas que vai se ramificando, ampliando-se indefinidamente. "O jogador se acha, como o artista, em relações profundas com os azares de um destino cego (...), sendo o sujeitar-se ao risco um gesto de ousadia" . Os poetas do improviso lidam com a articulação de pontos que vão se materializando e ligando-se à surpresa. O próprio poeta/jogador é surpreendido com as possibilidades associativas que vão se desfiando na dialética da comunicação. Há um processo de estranhamento e reconhecimento mútuos, em que o outro oferece motes ora estendidos, ora interrompidos, opostos ou rearticulados. O que o jogo do desafio oferece ao vencedor? A sensação de conduzir-se com artimanha na emergência vital do possível súbito movimento?

vigiando
duvidando
rolando
brilhando e meditando

antes de se deter
em algum ponto último que o sagre

Todo pensamento emite um lance de Dados

O prestígio do vencedor do jogo realiza-se como uma habilidade na vida. As estratégias da linguagem agem violentamente no mundo, o jogar com o improviso é também lidar malengolentemente com as experiências, escapando aos controles, driblando conflitos, criando tensões e enfrentamentos. "É preciso unicamente domínio sobre si mesmo e, sejam quais forem as peripécias do jogo"(...)

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