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Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

 

Ritratto

Io non avevo questo volto di oggi,
così calmo, così triste, così magro,
né questi occhi tanto vuoti,
né il labbro amaro.

Io non avevo queste mani senza forza,
tanto ferme e fredde e morte;
io non avevo questo cuore
che neppure si mostra.

Non mi accorsi di questo cambiamento
così semplice, così certo, così facile:
- In quale specchio è andata persa
la mia faccia?

(traduz. Giancarlo Perlo)

Encomenda

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Richiesta

Desidero una fotografia
come questa - vede? - come questa
in cui per sempre me la rida
come un vestito d'eterna festa.

Siccome ho la fronte buia
versi luce sulla mia testa.
Lasci questa ruga che mi presta
una certa aria di saggezza.

Non metta fondali di foresta
né di fantasia arbitraria.
No... in questo spazio che ancora resta
ponga una sedia solitaria.

(traduz. Giancarlo Perlo)

Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

 

Motivo da Rosa

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verás, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

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