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Entre mim e mim há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos
É corriqueiro você ler ou ouvir "isso é para mim fazer", "nada existe entre eu e você" ou frases semelhantes, onde o pronome oblíquo "mim" substitui o pronome pessoal reto "eu", ou vice-versa.
Sabemos que o pronome pessoal, aquele que indica a pessoa gramatical, pode
ser reto ou oblíquo. Os pronomes pessoais retos desempenham a função de
sujeito e são eu, tu, ele ou ela, nós, vós, eles ou elas, conforme indiquem
as primeiras, segundas ou terceiras pessoas gramaticais. Os pronomes
oblíquos exercem a função de complemento verbal e podem ser tônicos ou átonos. São tônicos: mim, comigo, ti, contigo, ele, ela, si, consigo, nós,
conosco, vós, convosco, eles, elas, si, consigo. São átonos: me, te, se, o,
a, lhe, nos, vos, se, os, as, lhes.
Guarde este princípio: as formas oblíquas tônicas vêm sempre acompanhadas de preposição:
Para mim tudo está acabado
A ti devemos a liberdade
Em ti repousam
nossas esperanças
A ele cabe a escolha
Senhor, rogai por nós
Acreditamos em vós
Tudo foi acertado entre eles.
Pela tradição gramatical os pronomes eu e tu não devem vir regidos por preposição. Daí é incorreto, pela norma culta, você escrever ou falar frases como "entre eu e tu". No rigorismo da linguagem formal, o certo seria "entre mim e ti":
"Entre mim e mim há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos"
Cecília Meireles; "Viagens", poema "Noções". (Obs. Não há erro de transcrição: os pronomes do verso ceciliano são mesmo "mim e mim").
Às vezes, frases são encontradas com o pronome reto precedido de preposição e estão absolutamente corretas:
"Isso é para eu fazer" -"Este livro é para tu leres".
É que nessas frases, a preposição não está regendo o pronome, mas o verbo. Aqui, a preposição "para" não está regendo o pronome eu (sujeito do verbo fazer) ou o pronome tu (sujeito do verbo ler), mas os respectivos verbos.
Observe que nesses exemplos a ligação sintática é "Isso é para fazer" - "Este livro é para leres". E não "Isso é para eu" ou "Este livro é para tu".
Todavia, na linguagem do dia-a-dia está se tornando comum o emprego das formas retas: "Há enorme distância entre eu e você". Aliás, essa construção vem se insinuando na linguagem literária desde Castilho e a tradução de "Misantropo", de Molière, por ele feita em meados do século XIX:
Odeio toda a gente
com tantas veras d'alma e tão profundamente,
que me
ufano de ouvir que entre eles e eu existe
separação formal.
Um outro exemplo mais recente:
Entre eu e minha mãe existe o mar
(Ribeiro Couto, "Poesias Reunidas",
edição de 1960).
Para concluir, se na linguagem falada, coloquial e descompromissada, existe a liberdade de empregar-se os pronomes eu e tu regidos por preposição, na linguagem culta, formal, essa faculdade constitui um solecismo, erro gramatical que deve ser sempre evitado em benefício de um texto limpo.
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